segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


Coisas, Pequenas Coisas

Fazer das coisas fracas um poema. 

Uma árvore está quieta, 
murcha, desprezada. 
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos 
e lhe sopra os dedos, 
ela volta a empertigar-se, renovada. 
E tu, que não sabias o segredo, 
perdes a vaidade. 
Fora de ti há o mundo 
e nele há tudo 
que em ti não cabe. 

Homem, até o barro tem poesia! 
Olha as coisas com humildade. 

Fernando Namora

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011


AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011



Noite...

Ó noite, 
coalhada nas formas de um corpo de mulher 
vago e belo e voluptuoso 
num bailado erótico, com o cenário dos astros, 
mudos e quedos. 

Estrelas que as suas mãos afagam 
e a boca repele, 
deixai que os caminhos da noite, 
cegos e retos como o destino, 
suspensos como uma nuvem, 
sejam os caminhos dos poetas 
que lhes decoraram o nome. 
Ó noite, 
coalhada nas formas de um corpo de mulher! 
esconde a vida no seio de uma estrela 
e fá-la pairar, assim mágica e irreal, 
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.

Fernando Namora

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011


A Voz do Amor

Nessa pupila rútila e molhada, 
Refúgio arcano e sacro da Ternura, 
A ampla noite do gozo e da loucura 
Se desenrola, quente e embalsamada. 

E quando a ansiosa vista desvairada 
Embebo às vezes nessa noite escura, 
Dela rompe uma voz, que, entrecortada 
De soluços e cânticos, murmura... 

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando, 
Num concerto de súplicas e gritos 
Conta a história de todos os amores; 

E vêm por ela, rindo e blasfemando, 
Almas serenas, corações aflitos, 
Tempestades de lágrimas e flores... 

Olavo Bilac

domingo, 6 de fevereiro de 2011


Comparar-te a um Dia de Verão?

Comparar-te a um dia de verão? 
Há mais ternura em ti, ainda assim: 
um maio em flor às mãos do furacão, 
o foral do verão que chega ao fim. 
Por vezes brilha ardendo o olhar do céu; 
outras, desfaz-se a compleição doirada, 
perde beleza a beleza; e o que perdeu 
vai no acaso, na natureza, em nada. 
Mas juro-te que o teu humano verão 
será eterno; sempre crescerás 
indiferente ao tempo na canção; 
e, na canção sem morte, viverás: 
Porque o mundo, que vê e que respira, 
te verá respirar na minha lira. 

William Shakespeare