segunda-feira, 27 de dezembro de 2010


O Segredo é Amar

O segredo é amar. Amar a Vida 
com tudo o que há de bom e mau em nós. 
Amar a hora breve e apetecida, 
ouvir os sons em cada voz 
e ver todos os céus em cada olhar. 

Amar por mil razões e sem razão. 
Amar, só por amar, 
com os nervos, o sangue, o coração. 
Viver em cada instante a eternidade 
e ver, na própria sombra, claridade. 

O segredo é amar, mas amar com prazer, 
sem limites, fronteiras, horizonte. 
Beber em cada fonte, 
florir em cada flor, 
nascer em cada ninho, 
sorver a terra inteira como o vinho. 

Amar o ramo em flor que há-de nascer, 
de cada obscura, tímida raiz. 
Amar em cada pedra, em cada ser, 
S. Francisco de Assis. 

Amar o tronco, a folha verde, 
amar cada alegria, cada mágoa, 
pois um beijo de amor jamais se perde 
e cedo refloresce em pão, em água! 

Fernanda de Castro

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


Supremo enleio

Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão
de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...

Florbela Espanca

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010


Não Sei se é Amor que Tens 

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges, 
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta. 
Já que o não sou por tempo, 
Seja eu jovem por erro. 
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso. 
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva 
É verdadeira. Aceito, 
Cerro olhos: é bastante. 
Que mais quero? 

Ricardo Reis ( Fernando Pessoa )

sábado, 18 de dezembro de 2010


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010



Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive. 

Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010


Soneto do Orfeu

São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida 

E se ao luar, que atua desvairado
Vem unir-se uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher 

Uma mulher que é feita de música
Luar e sentimento, e que a vida
Não quer, de tão perfeita 

Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento,
Tão cheia de pudor que vive nua.

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010


Tuas mãos

Quando tuas mãos saem,
amada, para as minhas,
o que me trazem voando?
Por que se detiveram
em minha boca, súbitas,
e por que as reconheço
como se outrora então
as tivesse tocado,
como se antes de ser
houvessem percorrido
minha fronte e a cintura?

Sua maciez chegava
voando por sobre o tempo,
sobre o mar, sobre o fumo,
e sobre a primavera,
e quando colocaste
tuas mãos em meu peito,
reconheci essas asas
de paloma dourada,
reconheci essa argila
e a cor suave do trigo.

A minha vida toda
eu andei procurando-as.
Subi muitas escadas,
cruzei os recifes,
os trens me transportaram,
as águas me trouxeram,
e na pele das uvas
achei que te tocava.
De repente a madeira
me trouxe o teu contacto,
a amêndoa me anunciava
suavidades secretas,
até que as tuas mãos
envolveram meu peito
e ali como duas asas
repousaram da viagem.

Pablo Neruda

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010


Os Instantes Superiores da Alma

Os instantes Superiores da Alma 
Acontecem-lhe - na solidão - 
Quando o amigo - e a ocasião Terrena 
Se retiram para muito longe - 

Ou quando - Ela Própria - subiu 
A um plano tão alto 
Para Reconhecer menos 
Do que a sua Omnipotência - 

Essa Abolição Mortal 
É rara - mas tão bela 
Como Aparição - sujeita 
A um Ar Absoluto - 

Revelação da Eternidade 
Aos seus favoritos - bem poucos - 
A Gigantesca substância 
Da Imortalidade 

Emily Dickinson

domingo, 5 de dezembro de 2010


Doce Certeza

Por essa vida fora hás de adorar 
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca, 
Em infinito anseio hás de beijar 
Estrelas de ouro fulgindo em muita boca! 

Hás de guardar em cofre perfumado 
Cabelos de ouro e risos de mulher, 
Muito beijo de amor apaixonado; 
E não te lembrarás de mim sequer... 

Hás de tecer uns sonhos delicados... 
Hão de por muitos olhos magoados, 
Os teus olhos de luz andar imersos!... 

Mas nunca encontrarás pela vida fora, 
Amor assim como este amor que chora 
Neste beijo de amor que são meus versos!... 

Florbela Espanca