terça-feira, 7 de setembro de 2010


Teu corpo claro e perfeito

– Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Quem em antigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo o momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

Manuel Bandeira


O Apaixonado

Luas, marfins, instrumentos e rosas, 
Traços de Dúrer, lampiões austeros, 
Nove algarismos e o cambiante zero, 
Devo fingir que existem essas coisas. 
Fingir que no passado aconteceram 
Persépolis e Roma e que uma areia 
Subtil mediu a sorte dessa ameia 
Que os séculos de ferro desfizeram. 
Devo fingir as armas e a pira 
Da epopeia e os pesados mares 
Que corroem da terra os vãos pilares. 
Devo fingir que há outros. É mentira. 
Só tu existes. Minha desventura, 
Minha ventura, inesgotável, pura. 

Jorge Luis Borges

Quando o Meu Amor Vem Ter Comigo

quando o meu amor vem ter comigo é 
um pouco como música,um 
pouco mais como uma cor curvando-se(por exemplo 
laranja) 
contra o silêncio,ou a escuridão.... 

a vinda do meu amor emite 
um maravilhoso odor no meu pensamento, 

devias ver quando a encontro 
como a minha menor pulsação se torna menos. 
E então toda a beleza dela é um torno 

cujos quietos lábios me assassinam subitamente, 

mas do meu cadáver a ferramenta o sorriso dela faz algo 
subitamente luminoso e preciso 

—e então somos Eu e Ela.... 

o que é isso que o realejo toca 

E. E. Cummings

Ser Poeta

Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior 
Do que os homens! Morder como quem beija! 
É ser mendigo e dar como quem seja 
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! 

É ter de mil desejos o esplendor 
E não saber sequer que se deseja! 
É ter cá dentro um astro que flameja, 
É ter garras e asas de condor! 

É ter fome, é ter sede de Infinito! 
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... 
É condensar o mundo num só grito! 

E é amar-te, assim, perdidamente... 
É seres alma e sangue e vida em mim 
E dizê-lo cantando a toda gente! 

Florbela Espanca