quarta-feira, 30 de novembro de 2011


Sentes, Pensas 
e Sabes que Pensas e Sentes

Dizes-me: tu és mais alguma cousa 
Que uma pedra ou uma planta. 
Dizes-me: sentes, pensas e sabes 
Que pensas e sentes. 
Então as pedras escrevem versos? 
Então as plantas têm idéias sobre o mundo? 

Sim: há diferença. 
Mas não é a diferença que encontras; 
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas: 
Só me obriga a ser consciente. 

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei. 
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos. 

Ter consciência é mais que ter cor? 
Pode ser e pode não ser. 
Sei que é diferente apenas. 
Ninguém pode provar que é mais que só diferente. 

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe. 
Sei isto porque elas existem. 
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram. 
Sei que sou real também. 
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram, 
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta. 
Não sei mais nada. 

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos. 
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas. 
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras; 
E as plantas são plantas só, e não pensadores. 
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto, 

Como que sou inferior. 
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra", 
Digo da planta, "é uma planta", 
Digo de mim, "sou eu". 
E não digo mais nada. Que mais há a dizer? 

Fernando Pessoa  (Alberto Caeiro)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011


Se Me Esqueceres

Quero que saibas 
uma coisa. 

Sabes como é: 
se olho 
a lua de cristal, o ramo vermelho 
do lento outono à minha janela, 
se toco 
junto do lume 
a impalpável cinza 
ou o enrugado corpo da lenha, 
tudo me leva para ti, 
como se tudo o que existe, 
aromas, luz, metais, 
fosse pequenos barcos que navegam 
até às tuas ilhas que me esperam. 

Mas agora, 
se pouco a pouco me deixas de amar 
deixarei de te amar pouco a pouco. 

Se de súbito 
me esqueceres 
não me procures, 
porque já te terei esquecido. 

Se julgas que é vasto e louco 
o vento de bandeiras 
que passa pela minha vida 
e te resolves 
a deixar-me na margem 
do coração em que tenho raízes, 
pensa 
que nesse dia, 
a essa hora 
levantarei os braços 
e as minhas raízes sairão 
em busca de outra terra. 

Porém 
se todos os dias, 
a toda a hora, 
te sentes destinada a mim 
com doçura implacável, 
se todos os dias uma flor 
uma flor te sobe aos lábios à minha procura, 
ai meu amor, ai minha amada, 
em mim todo esse fogo se repete, 
em mim nada se apaga nem se esquece, 
o meu amor alimenta-se do teu amor, 
e enquanto viveres estará nos teus braços 
sem sair dos meus. 

Pablo Neruda

Después de la Lluvia

Por las floridas barrancas
Pasó anoche el aguacero
Y amaneció el limonero
Llorando estrellitas blancas.

Andan perdidos cencerros
Entre frescos yerbazales,
Y pasan las invernales
Neblinas, borrando cerros.

Alfredo Espino

sexta-feira, 25 de novembro de 2011


Entre o Luar e a Folhagem

Entre o luar e a folhagem, 
Entre o sossego e o arvoredo, 
Entre o ser noite e haver aragem 
Passa um segredo. 
Segue-o minha alma na passagem. 

Tênue lembrança ou saudade, 
Princípio ou fim do que não foi, 
Não tem lugar, não tem verdade. 
Atrai e dói. 

Segue-o meu ser em liberdade. 

Vazio encanto ébrio de si, 
Tristeza ou alegria o traz? 
O que sou dele a quem sorri? 
Nada é nem faz. 
Só de segui-lo me perdi. 

Fernando Pessoa

quinta-feira, 24 de novembro de 2011


"En la mañana del mundo"

Apenas la caricia de tu mano.
Mi piel es de cristal cuando me tocas.

¿Qué apaciguada luz, qué temblor hecho brasa
se deslíe en mis ojos si me miras?
¿Dónde hiere tu risa y por qué hiere
si con ella me abres la mañana del mundo?
Tu existir me hace un dios y tú me creas.
No hay mayor claridad ni otro misterio.

Abelardo Linares

Os Versos Que Te Fiz 

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!


Florbela Espanca

quarta-feira, 23 de novembro de 2011


FLOR DO MAR

És da origem do mar, vens do secreto, 
do estranho mar espumaroso e frio 
que põe rede de sonhos ao navio 
e o deixa balouçar, na vaga, inquieto. 
Possuis do mar o deslumbrante afeto, 
as dormências nervosas e o sombrio 
e torvo aspecto aterrador, bravio 
das ondas no atro e proceloso aspecto. 
Num fundo ideal de púrpuras e rosas 
surges das águas mucilaginosas 
como a lua entre a névoa dos espaços... 
Trazes na carne o eflorescer das vinhas, 
auroras, virgens músicas marinhas, 
acres aromas de algas e sargaços...

Cruz e Sousa

domingo, 20 de novembro de 2011


A Manhã Raia

A manhã raia. Não: a manhã não raia. 
A manhã é uma coisa abstracta, está, não é uma coisa. 
Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui. 
Se o sol matutino dando nas árvores é belo, 
É tão belo se chamarmos à manhã «Começarmos a ver o sol» 
Como o é se lhe chamarmos a manhã, 
Por isso se não há vantagem em por nomes errados às coisas, 
Devemos nunca lhes por nomes alguns. 

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

sábado, 19 de novembro de 2011


Perfumes e Amor

A flor mimosa que abrilhanta o prado
Ao sol nascente vai pedir fulgor;
E o sol, abrindo da açucena as folhas,
Dá-lhe perfumes - e não nega amor.

Eu que não tenho, como o sol, seus raios,
Embora sinta nesta fronte ardor,
Sempre quisera ao encetar teu álbum
Dar-lhe perfumes - desejar-lhe amor.

Meu Deus! nas folhas deste livro puro
Não manche o pranto da inocência o alvor,
Mas cada canto que cair dos lábios
Traga perfumes - e murmure amor.

Aqui se junte, qual num ramo santo,
Do nardo o aroma e da camélia a cor,
E possa a virgem, percorrendo as folhas,
Sorver perfumes - respirar amor.

Encontre a bela, caprichosa sempre,
Nos ternos hinos d'infantil frescor
Entrelaçados na grinalda amiga
Doces perfumes - e celeste amor.

Talvez que diga, recordando tarde
O doce anelo do feliz cantor:
"Meu Deus! nas folhas do meu livro d'alma
Sobram perfumes - e não falta amor!"

Casimiro de Abreu

sexta-feira, 18 de novembro de 2011


Soneto XLIII

Un signo tuyo busco en todas las otras,
en el brusco, ondulante río de las mujeres,
trenzas, ojos apenas sumergidos,
pies claros que resbalan navegando en la espuma.

De pronto me parece que diviso tus uñas
oblongas, fugitivas, sobrinas de un cerezo,
y otra vez es tu pelo que pasa y me parece
ver arder en el agua tu retrato de hoguera.

Miré, pero ninguna llevaba tu latido,
tu luz, la greda oscura que trajiste del bosque,
ninguna tuvo tus diminutas orejas.

Tú eres total y breve, de todas eres una,
y así contigo voy recorriendo y amando
un ancho Mississippi de estuario femenino.

Pablo Neruda

terça-feira, 15 de novembro de 2011


Amor! (¡Amor!)

Oh, eterno amor, que en tu inmortal carrera
das a los seres vida y movimiento,
con qué entusiasta admiración te siento,
aunque invisible, palpitar doquiera!

Esclava tuya, la creación entera
se estremece y anima con tu aliento;
y es tu grandeza tal, que el pensamiento
te proclamara Dios si Dios no hubiera.

Los impalpables átomos combinas
con tu soplo magnético y fecundo:
tú creas, tú transformas, tú iluminas;

y en el cielo infinito, en el profundo
mar, en la tierra atónita dominas,
¡amor, eterno amor, alma del mundo!

Gaspar Núñez de Arce

sexta-feira, 11 de novembro de 2011



Soneto LXXXIII

Es bueno, amor, sentirte cerca de mí en la noche,
invisible en tu sueño, seriamente nocturna,
mientras yo desenredo mis preocupaciones
como si fueran redes confundidas.

Ausente, por los sueños tu corazón navega,
pero tu cuerpo así abandonado respira
buscándome sin verme, completando mi sueño
como una planta que se duplica en la sombra.

Erguida, serás otra que vivirá mañana,
pero de las fronteras perdidas en la noche,
de este ser y no ser en que nos encontramos

algo queda acercándonos en la luz de la vida
como si el sello de la sombra señalara
con fuego sus secretas criaturas.

Pablo Neruda

quinta-feira, 10 de novembro de 2011



As Sem-Razões Do Amor

Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça E com amor não se paga.
Amor é dado de graça, É semeado no vento,
Na cachoeira no eclipse. Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, 
Nem se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte,
E da morte vencedor, Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade


Coroai-me de Rosas

Coroai-me de rosas, 
Coroai-me em verdade, 
De rosas — 

Rosas que se apagam 
Em fronte a apagar-se 
Tão cedo! 

Coroai-me de rosas 
E de folhas breves. 
E basta. 

Fernando Pessoa (Ricardo Reis)


segunda-feira, 7 de novembro de 2011



Soneto LXXIX

De noche, amada, amarra tu corazón al mío
y que ellos en el sueño derroten las tinieblas
como un doble tambor combatiendo en el bosque
contra el espeso muro de las hojas mojadas.

Nocturna travesía, brasa negra del sueño
interceptando el hilo de las uvas terrestres
con la puntualidad de un tren descabellado
que sombra y piedras frías sin cesar arrastrara.

Por eso, amor, amárrame el movimiento puro,
a la tenacidad que en tu pecho golpea
con las alas de un cisne sumergido,

para que a las preguntas estrelladas del cielo
responda nuestro sueño con una sola llave,
con una sola puerta cerrada por la sombra.

Pablo Neruda


Inconfesso Desejo 


Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo


Carlos Drummond de Andrade


Vôo

Alheias e nossas as palavras voam. 
Bando de borboletas multicores, as palavras voam 
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, 
as palavras voam. 
Viam as palavras como águias imensas. 
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.

Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, 
em redor de nós as palavras voam. 
E às vezes pousam.

Cecília Meireles

quinta-feira, 3 de novembro de 2011


Sorriso Audível das Folhas

Sorriso audível das folhas 
Não és mais que a brisa ali 
Se eu te olho e tu me olhas, 
Quem primeiro é que sorri? 
O primeiro a sorrir ri. 

Ri e olha de repente 
Para fins de não olhar 
Para onde nas folhas sente 
O som do vento a passar 
Tudo é vento e disfarçar. 

Mas o olhar, de estar olhando 
Onde não olha, voltou 
E estamos os dois falando 
O que se não conversou 
Isto acaba ou começou? 

Fernando Pessoa