sexta-feira, 20 de maio de 2011


A Minha Tragédia

Tenho ódio à luz e raiva à claridade 
Do sol, alegre, quente, na subida. 
Parece que a minh’alma é perseguida 
Por um carrasco cheio de maldade! 

Ó minha vã, inútil mocidade, 
Trazes-me embriagada, entontecida! ... 
Duns beijos que me deste noutra vida, 
Trago em meus lábios roxos, a saudade! ... 

Eu não gosto do sol, eu tenho medo 
Que me leiam nos olhos o segredo 
De não amar ninguém, de ser assim! 

Gosto da Noite imensa, triste, preta, 
Como esta estranha e doida borboleta 
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! ... 

Florbela Espanca

Como Inútil Taça Cheia

Como inútil taça cheia 
Que ninguém ergue da mesa, 
Transborda de dor alheia 
Meu coração sem tristeza. 

Sonhos de mágoa figura 
Só para Ter que sentir 
E assim não tem a amargura 
Que se temeu a fingir. 

Ficção num palco sem tábuas 
Vestida de papel seda 
Mima uma dança de mágoas 
Para que nada suceda. 

Fernando Pessoa

Amor Pacífico e Fecundo

Não quero amor 
que não saiba dominar-se, 
desse, como vinho espumante, 
que parte o copo e se entorna, 
perdido num instante. 

Dá-me esse amor fresco e puro 
como a tua chuva, 
que abençoa a terra sequiosa, 
e enche as talhas do lar. 
Amor que penetre até ao centro da vida, 
e dali se estenda como seiva invisível, 
até aos ramos da árvore da existência, 
e faça nascer 
as flores e os frutos. 
Dá-me esse amor 
que conserva tranquilo o coração, 
na plenitude da paz! 

Rabindranath Tagore

Chamar a Si Todo o Céu 
com um Sorriso

que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas 
aves que são os segredos da vida 
o que quer que cantem é melhor do que conhecer 
e se os homens não as ouvem estão velhos 

que o meu pensamento caminhe pelo faminto 
e destemido e sedento e servil 
e mesmo que seja domingo que eu me engane 
pois sempre que os homens têm razão não são jovens 

e que eu não faça nada de útil 
e te ame muito mais do que verdadeiramente 
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse 
chamar a si todo o céu com um sorriso 

E. E. Cummings