segunda-feira, 29 de novembro de 2010


As Causas

Todas as gerações e os poentes. 
Os dias e nenhum foi o primeiro. 
A frescura da água na garganta 
De Adão. O ordenado Paraíso. 
O olho decifrando a maior treva. 
O amor dos lobos ao raiar da alba. 
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos. 
A Torre de Babel e a soberba. 
A lua que os Caldeus observaram. 
As areias inúmeras do Ganges. 
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou. 
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas. 
Os passos do errante labirinto. 
O infinito linho de Penélope. 
O tempo circular, o dos estóicos. 
A moeda na boca de quem morre. 
O peso de uma espada na balança. 
Cada vã gota de água na clepsidra. 
As águias e os fastos, as legiões. 
Na manhã de Farsália Júlio César. 
A penumbra das cruzes sobre a terra. 
O xadrez e a álgebra dos Persas. 
Os vestígios das longas migrações. 
A conquista de reinos pela espada. 
A bússola incessante. O mar aberto. 
O eco do relógio na memória. 
O rei que pelo gume é justiçado. 
O incalculável pó que foi exércitos. 
A voz do rouxinol da Dinamarca. 
A escrupulosa linha do calígrafo. 
O rosto do suicida visto ao espelho. 
O ás do batoteiro. O ávido ouro. 
As formas de uma nuvem no deserto. 
Cada arabesco do caleidoscópio. 
Cada remorso e também cada lágrima. 
Foram precisas todas essas coisas 
Para que um dia as nossas mãos se unissem. 

Jorge Luis Borges

domingo, 28 de novembro de 2010


 Às Vezes 

Às vezes tenho idéias felizes, 
Idéias subitamente felizes, em idéias 
E nas palavras em que naturalmente se despegam... 

Depois de escrever, leio... 
Por que escrevi isto? 
Onde fui buscar isto? 
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu... 
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta 
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010


Tu Dulzura

Camino lentamente por la senda de acacias,
me perfuman las manos sus pétalos de nieve,
mis cabellos se inquietan bajo céfiro leve
y el alma es como espuma de las aristocracias.

Genio bueno: este día conmigo te congracias,
apenas un suspiro me torna eterna y breve...
¿Voy a volar acaso ya que el alma se mueve?
En mis pies cobran alas y danzan las tres Gracias.

Es que anoche tus manos, en mis manos de fuego,
dieron tantas dulzuras a mi sangre, que luego,
llenóseme la boca de mieles perfumadas.

Tan frescas que en la limpia madrugada de Estío
mucho temo volverme corriendo al caserío
prendidas en mis labios mariposas doradas.

Alfonsina Storni

segunda-feira, 15 de novembro de 2010


Em Sonhos ...

Nos santos óleos do luar, floria 
Teu corpo ideal, com o resplendor da Helade 
E em toda a etérea, branda claridade 
Como que erravam fluidos de harmonia... 

As Águias imortais da Fantasia 
Deram-te as asas e a serenidade 
Para galgar, subir à Imensidade 
Onde o clarão de tantos sóis radia. 

Do espaço pelos límpidos velinos 
Os Astros vieram claros, cristalinos, 
Com chamas, vibrações, do alto, cantando... 

Nos santos óleos do luar envolto 
Teu corpo era o Astro nas esferas solto, 
Mais sóis e mais Estrelas fecundando!

Cruz e Sousa

sábado, 13 de novembro de 2010


Te quiero

Tus manos son mi caricia
mis acordes cotidianos
te quiero porque tus manos
trabajan por la justicia

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos

tus ojos son mi conjuro
contra la mala jornada
te quiero por tu mirada
que mira y siembra futuro

tu boca que es tuya y mía
tu boca no se equivoca
te quiero porque tu boca
sabe gritar rebeldía

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos

y por tu rostro sincero
y tu paso vagabundo
y tu llanto por el mundo
porque sos pueblo te quiero

y porque amor no es aureola
ni cándida moraleja
y porque somos pareja
que sabe que no está sola

te quiero en mi paraíso
es decir que en mi país
la gente vive feliz
aunque no tenga permiso

si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho mas que dos.

Mario Benedetti

quinta-feira, 11 de novembro de 2010


Canto Esponjoso

Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Humidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Calvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 10 de novembro de 2010


A Tua Voz de Primavera

Manto de seda azul, o céu reflete 
Quanta alegria na minha alma vai! 
Tenho os meus lábios úmidos: tomai 
A flor e o mel que a vida nos promete! 

Sinfonia de luz meu corpo não repete 
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai! 
Iguala o sol que sempre às ondas cai, 
Sem que a visão dos poentes se complete! 

Meus pequeninos seios cor-de-rosa, 
Se os roça ou prende a tua mão nervosa, 
Têm a firmeza elástica dos gamos... 

Para os teus beijos, sensual, flori! 
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos, 
Só me exalto e sou linda para ti! 

Florbela Espanca

segunda-feira, 8 de novembro de 2010



Lágrimas Tristes 
Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vós piedade 
De tão longo tormento se sentira, 
Amor sofrera, mal que eu me partira 
De vossos olhos, minha saudade. 

Apartei-me de vós, mas a vontade, 
Que por o natural na alma vos tira, 
Me faz crer que esta ausência é de mentira; 
Porém venho a provar que é de verdade. 

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento 
Lágrimas tristes tomarão vingança 
Nos olhos de quem fostes mantimento. 

Desta arte darei vida a meu tormento, 
Que, enfim, cá me achará minha lembrança 
Sepultado no vosso esquecimento. 

Luís Vaz de Camões

domingo, 7 de novembro de 2010


Amor Pacífico e Fecundo

Não quero amor 
que não saiba dominar-se, 
desse, como vinho espumante, 
que parte o copo e se entorna, 
perdido num instante. 

Dá-me esse amor fresco e puro 
como a tua chuva, 
que abençoa a terra sequiosa, 
e enche as talhas do lar. 
Amor que penetre até ao centro da vida, 
e dali se estenda como seiva invisível, 
até aos ramos da árvore da existência, 
e faça nascer 
as flores e os frutos. 
Dá-me esse amor 
que conserva tranquilo o coração, 
na plenitude da paz! 

Rabindranath Tagore

sexta-feira, 5 de novembro de 2010


A Curva dos Teus Olhos

A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Eluard

quarta-feira, 3 de novembro de 2010



A Cor da Tua Alma

Enquanto eu te beijo, o seu rumor 
nos dá a árvore, que se agita ao sol de ouro 
que o sol lhe dá ao fugir, fugaz tesouro 
da árvore que é a árvore de meu amor. 

Não é fulgor, não é ardor, não é primor 
o que me dá de ti o que te adoro, 
com a luz que se afasta; é o ouro, o ouro, 
é o ouro feito sombra: a tua cor. 

A cor de tua alma; pois teus olhos 
vão-se tornando nela, e à medida 
que o sol troca por seus rubros seus ouros, 
e tu te fazes pálida e fundida, 
sai o ouro feito tu de teus dois olhos 
que me são paz, fé, sol: a minha vida! 

Juan Ramón Jiménez