segunda-feira, 29 de novembro de 2010


As Causas

Todas as gerações e os poentes. 
Os dias e nenhum foi o primeiro. 
A frescura da água na garganta 
De Adão. O ordenado Paraíso. 
O olho decifrando a maior treva. 
O amor dos lobos ao raiar da alba. 
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos. 
A Torre de Babel e a soberba. 
A lua que os Caldeus observaram. 
As areias inúmeras do Ganges. 
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou. 
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas. 
Os passos do errante labirinto. 
O infinito linho de Penélope. 
O tempo circular, o dos estóicos. 
A moeda na boca de quem morre. 
O peso de uma espada na balança. 
Cada vã gota de água na clepsidra. 
As águias e os fastos, as legiões. 
Na manhã de Farsália Júlio César. 
A penumbra das cruzes sobre a terra. 
O xadrez e a álgebra dos Persas. 
Os vestígios das longas migrações. 
A conquista de reinos pela espada. 
A bússola incessante. O mar aberto. 
O eco do relógio na memória. 
O rei que pelo gume é justiçado. 
O incalculável pó que foi exércitos. 
A voz do rouxinol da Dinamarca. 
A escrupulosa linha do calígrafo. 
O rosto do suicida visto ao espelho. 
O ás do batoteiro. O ávido ouro. 
As formas de uma nuvem no deserto. 
Cada arabesco do caleidoscópio. 
Cada remorso e também cada lágrima. 
Foram precisas todas essas coisas 
Para que um dia as nossas mãos se unissem. 

Jorge Luis Borges