segunda-feira, 31 de outubro de 2011


Queria experimentar no seu corpo 
todos os lugares do mundo juntos

Queria experimentar
todas as alturas do mundo
ao seu lado,
e perder o medo
de andar pelo céu
e conversar com os anjos.
Queria voar
e cair
sem paráquedas
para te abraçar
bem apertado,
e sentir o vento denso
das cordilheiras do Himalaia
e o silêncio e o calor
do Deserto do Saara,
pois no seu corpo
há todos os lugares belos
do mundo juntos
tatuados,
há todas as maravilhas
imaginadas e sonhadas
do planeta terra
na sua mais exata perfeição,
pois por onde você passa
sua pele recebe a energia
de cada lugar especial,
e registra na tua pele
um pouco de cada cultura.

Cristiane Neder

sábado, 29 de outubro de 2011


Ontologia do Amor

Tua carne é a graça tenra dos pomares 
e abre-se teu ventre de uma a outra lua; 
de teus próprios seios descem dois luares 
e desse luar vestida é que ficas nua. 

Ânsia de voo em asas de ficar 
de ti mesma sou o mar e o fundo. 
Praia dos seres, quem te viajar 
só naufragando recupera o mundo. 

Ritmo de céu, por quem és pergunta 
de uma azul resposta que não trazes junta 
vitral de carne em catedral infinda. 

Ter-te amor é já rezar-te, prece 
de um imenso altar onde acontece 
quem no próprio corpo é céu ainda. 

Vítor Matos e Sá

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu 
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que 
não é nada comigo. Distraído percorro 
o caminho familiar da saudade, 
pequeninas coisas me prendem, 
uma tarde num café, um livro. Devagar 
te amo e às vezes depressa, 
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo, 
regresso devagar a tua casa, 
compro um livro, entro no 
amor como em casa. 

Manuel António Pina

sexta-feira, 14 de outubro de 2011


Depois de Te Haver Criado, 
a Natureza Pasmou

A mãe, que em berço dourado 
Pôs teu corpo cristalino, 
É superior ao Destino, 
Depois de te haver criado. 
Quando Amor, o Nume alado, 
Tua infância acalentou, 
Quando os teus dias fadou, 
Minha Lília, minha amada, 
A mãe ficou encantada, 
A Natureza pasmou. 

Deve dar breve cuidado, 
Motivar grande atenção, 
A um Deus a criação, 
Depois de te haver criado. 
Deve de ser refinado 
O engenho que ele mostrar 
Desde o ponto em que criar; 
Cuide nisto a omnipotência, 
Porque, ao ver a sua essência, 
A Natureza pasmou. 

Ao mesmo Céu não é dado 
(Bem que tanto poder goza) 
Criar coisa tão formosa 
Depois de te haver criado. 
Naquele instante dourado, 
Em que teus dotes formou, 
Apenas os completou, 
Arengando-lhe o Destino, 
Em um êxtase divino 
A Natureza pasmou. 

O Céu nos tem outorgado 
Quanto outorgar-nos podia; 
O Céu que mais nos daria 
Depois de te haver criado? 
Ninfa, das Graças traslado, 
Ninfa, de que escravo sou, 
Jove em ti se enfeitiçou, 
Cheio de espanto e de gosto, 
E absorta no teu composto 
A Natureza pasmou. 

O teu rosto é adornado 
Dos prodígios da beleza; 
Foi um deus a Natureza 
Depois de te haver criado. 
Pôs em teu rosto adoçado 
O que nunca o Céu formou; 
Ela a Jove envergonhou 
Nesse deleitoso espanto, 
E de ter subido a tanto 
A Natureza pasmou. 

Todo o concílio sagrado 
Do almo Olimpo brilhador, 
Subiu a grau superior 
Depois de te haver criado. 
Da meiga Vénus ao lado 
O teu ente a nós baixou, 
Ente que Jove apurou, 
Ente de todos diverso; 
Assombrou-se o Universo, 
A Natureza pasmou. 

Bocage

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


Escultor

En mis manos tu barro, te moldeo
con ternura. Mi soplo y mi caricia
dieron ser a la curva que te inicia.
Si carne te pensé, viento te veo. 

Vaciada ya tu forma, me recreo,
te atesoro. No culpes mi codicia.
Alta puse la mira: tu primicia
esculpida a cincel en mi deseo. 

Yo, escultor, sólo pido por mi arte
el contemplar mi obra: contemplarte.
Pero tú ya eres tú, aunque eras mía, 

y si una vez te arredra mi egoísmo,
puedes irte si quieres. Me es lo mismo.
Te crearé, de nuevo, cualquier día.

Rafael Guillén

segunda-feira, 3 de outubro de 2011



Soneto 17 

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

William Shakespeare