quarta-feira, 17 de agosto de 2011


Vertentes

As palavras esperam o sono 
e a música do sangue sobre as pedras corre 
a primeira treva surge 
o primeiro não a primeira quebra 

A terra em teus braços é grande 
o teu centro desenvolve-se como um ouvido 
a noite cresce uma estrela vive 
uma respiração na sombra o calor das árvores 

Há um olhar que entra pelas paredes da terra 
sem lâmpadas cresce esta luz de sombra 
começo a entender o silêncio sem tempo 
a torre extática que se alarga 

A plenitude animal é o interior de uma boca 
um grande orvalho puro como um olhar 

Deslizo no teu dorso sou a mão do teu seio 
sou o teu lábio e a coxa da tua coxa 
sou nos teus dedos toda a redondez do meu corpo 
sou a sombra que conhece a luz que a submerge 

A luz que sobe entre 
as gargantas agrestes 
deste cair na treva 
abre as vertentes onde 
a água cai sem tempo 

António Ramos Rosa

segunda-feira, 15 de agosto de 2011


Palidez

Fria palidez da amada minha.
Lânguida se retorce em meus lábios.
E nessa dança inefável de agonia.
Nossos corpos entrelaçados, juntos, o céu estremecia.

Fria palidez da amada minha.
Resvala em minha alma com maestria.
Distorce meu coração, enfraquecido,
E os mares infinitos clamam sua cantoria.

Fria palidez da amada minha.
Quero em teus lábios beber
O néctar dos anjos, e nessa dança
Que só nós sabemos, delirar de amor,
Morrer de alegria.

Rodrigo Mattos Lucas

sábado, 13 de agosto de 2011


Ouvir Estrelas 

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."


Olavo Bilac

quinta-feira, 11 de agosto de 2011


Sonhos

Sonhos. Afinal, o que é sonho?
Sonhar seria querer o impossível?
Sonho é querer? Que loucura!
Acho que sonho pode ser um...
Um, não; dois gritos da alma
E a alma grita? Que bobagem...
Imaginação, quero passagem
Preciso definir o que é sonho!
Se sonhar é lançar-se no espaço,
Sonho é mergulhar no infinito
Mergulhar no infinito? Que miragem...
Sonhar é a vontade de ver de novo
Não! Isso é definição de saudade
Está muito difícil, que crueldade!
Sonho seria o mesmo que devaneio?...
Se é, para que tanto rodeio!
Não sou poeta, para que tanta quimera!
Já sei, sonho é ter amizade sincera
É ter um grande amor nos braços
É esquecer todos os fracassos
É dar e receber beijos de ternura
É fazer do amor uma doce loucura
É nutrir sentimento bem definido
É sentir um amor não dividido
É sentir grande paixão no peito
É isso mesmo, falo do meu jeito
Nada de palavras da poesia cadente
É assim que eu sonho o meu sonho
Ah! sonho, você mata a gente!

Wenceslau da Cunha

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


Poema X

Suave é a bela como se música e madeira,
ágata, telas, trigo, pêssegos transparentes,
foram erigidas as fugitivas estátuas.

Fazia a onda dirige-se sua contraria frescura.
O mar molha pés polidos e marcados
a forma recém trabalhada na areia
e é agora seu fogo feminino de rosa
num só borbulho que o sol e o mar combatem.

Ai, que nada te toque se não o sal do frio!

Que nem o amor destrói a primavera intacta.
Formosa, reverberante de indelével espuma,
deixa que teus quadris imponham na água
uma medida nova de cisne e de nenúfar

e navega tua estátua pelo cristal eterno.

Pablo Neruda

terça-feira, 9 de agosto de 2011


Cada Mañana 

Cada mañana el mismo
asombro, siempre nuevo:
el ver lo natural
que es para ti tu cuerpo.

Consabidas minucias
del rito del aseo,
que imperceptiblemente
elevas al misterio.

Desde mis ajimeces
vigilo tus linderos:
revuelas como un ángel
sobre tus mismos pechos.

Tu humedad se disputan
la juncia y el espliego.
¡Ay, frescura de aljibe
y calor de sesteo!.

En mis blandas murallas
aprisionado, veo
el hábito sencillo
que tienes de tu cuerpo.

Resuelves la materia
en puro movimiento;
cada escorzo insinúa
un ritmo en el espejo.

El repetido aire
que modela tus gestos,
es en ti cristalino
pero en mí es espeso.

De tu cuello desnudo
nace un hondo venero;
de tus brazos en alto,
la mimbre de tu pelo.

Al alba, cuando mido
tu distancia, no entiendo
la natural costumbre
que es para ti tu cuerpo.

RAFAEL GUILLÉN

quinta-feira, 4 de agosto de 2011


Soneto C

En medio de la tierra apartaré
las esmeraldas para divisarte
y tú estarás copiando las espigas
con una pluma de agua mensajera.
Qué mundo! Qué profundo perejil!
Qué nave navegando en la dulzura!
Y tú tal vez y yo tal vez topacio!
Ya no habrá división en las campanas.
Ya no habrá sino todo el aire libre,
las manzanas llevadas por el viento,
el suculento libro en la enramada,
y allí donde respiran los claveles
fundaremos un traje que resista
la eternidad de un beso victorioso.

Pablo Neruda

quarta-feira, 3 de agosto de 2011


A unos ojos

Tan cargada de vida está la verde
absenta de tus ojos cuando hablas,
que emborracha mirarte, y tanto frío
puede albergarse en ellos, que se hiela
mi pecho si me miras. Soy apenas
quien teme y quien desea. No me mires
si es tan sólo por juego o por despecho,
pues abrasa la llama que en mí prendes
con apenas volver a mí tus ojos.
Pero si sólo es juego o es despecho,
en esa luz de súbito relámpago
que enciende tantas veces tu mirada,
quiero quemarme así si así me miras,
pues no existe el ayer ni importa el luego.

Abelardo Linares

segunda-feira, 1 de agosto de 2011


Musa dos Olhos Verdes

Musa dos olhos verdes, musa alada, 
Ó divina esperança, 
Consolo do ancião no extremo alento, 
E sonho da criança; 

Tu que junto do berço o infante cinges 
C’os fúlgidos cabelos; 
Tu que transformas em dourados sonhos 
Sombrios pesadelos; 

Tu que fazes pulsar o seio às virgens; 
Tu que às mães carinhosas 
Enches o brando, tépido regaço 
Com delicadas rosas; 

Casta filha do céu, virgem formosa 
Do eterno devaneio, 
Sê minha amante, os beijos meus recebe, 
Acolhe-me em teu seio! 

Já cansada de encher lânguidas flores 
Com as lágrimas frias, 
A noite vê surgir do oriente a aurora 
Dourando as serranias. 

Asas batendo à luz que as trevas rompe, 
Piam noturnas aves, 
E a floresta interrompe alegremente 
Os seus silêncios graves. 

Dentro de mim, a noite escura e fria 
Melancólica chora; 
Rompe estas sombras que o meu ser povoam; 
Musa, sê tu a aurora! 

Machado de Assis

sexta-feira, 29 de julho de 2011


Ascensión 

¡Dos alas!... ¿Quién tuviera dos alas para el vuelo?
Esta tarde, en la cumbre, casi las he tenido.
Desde aquí veo el mar, tan azul, tan dormido,
que si no fuera un mar, ¡Bien sería otro cielo!...

Cumbres, divinas cumbres, excelsos miradores...
¡Que pequeños los hombres! No llegan los rumores
de allá abajo, del cieno; ni el grito horripilante
con que aúlla el deseo, ni el clamor desbordante
de las malas pasiones... Lo rastrero no sube:
ésta cumbre es el reino del pájaro y la nube...

Aquí he visto una cosa muy dulce y extraña,
como es la de haber visto llorando una montaña...
el agua brota lenta, y en su remanso brilla la luz;
un ternerito viene, y luego se arrodilla
al borde del estanque, y al doblar la testuz,
por beber agua limpia, bebe agua y bebe luz...

Y luego se oye un ruido por lomas y floresta,
como si una tormenta rodara por la cuesta:
animales que vienen con una fiebre extraña
a beberse las lágrimas que llora la montaña.

Va llegando la noche. Ya no se mira el mar.
Y que asco y que tristeza comenzar a bajar...

(¡Quién tuviera dos alas, dos alas para un vuelo!
Esta tarde, en la cumbre, casi las he tenido,
con el loco deseo de haberlas extendido
¡Sobre aquél mar dormido que parecía un cielo!)

Un río entre verdores se pierde a mis espaldas,
como un hilo de plata que enhebrara esmeraldas...

Alfredo Espino

quinta-feira, 28 de julho de 2011


Armonía De La Palabra 
Y El Instinto

Todo fue maravilla de armonías
en el gesto inicial que se nos daba
entre impulsos celestes y telúricos
desde el fondo de amor de nuestras almas.
Hasta el aire espigóse en levedades
cuando caí rendida en tu mirada;
y una palabra, aún virgen en mi vida,
me golpeó el corazón, y se hizo llama
en el río de emoción que recibía,
y en la flor de ilusión que te entregaba.
Un connubio de nuevas sensaciones
elevaron en luz mi madrugada.
Suaves olas me alzaron la conciencia
hasta la playa azul de tu mañana,
y la carne fue haciéndose silueta
a la vista de mi alma libertada.
Como un grito integral, suave y profundo
estalló de mis labios la palabra;
Nunca tuvo mi boca mas sonrisas,
ni hubo nunca más vuelo en mi garganta!
En mi suave palabra, enternecida,
me hice toda en tu vida y en tu alma;
y fui grito impensado atravesando
las paredes del tiempo que me ataba;
y fui brote espontáneo del instante;
y fui estrella en tus brazos derramada.
Me di toda, y fundiéndome por siempre
en la armonía sensual que tu me dabas;
y la rosa emotiva que se abría
en el tallo verbal de mi palabra,
uno a uno fue dándote sus pétalos,
mientras nuestros instintos se besaban.

Julia de Burgos

domingo, 24 de julho de 2011


Já és minha. 

Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobra suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido.
Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.
Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo,
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.
Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

Pablo Neruda

sexta-feira, 22 de julho de 2011


Idílio

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

Antero de Quental

quarta-feira, 20 de julho de 2011


Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol, 
que é feito de ternura amarrotada, 
da frescura que vem depois do sol, 
quando depois do sol não vem mais nada... 

Olho a roupa no chão: que tempestade! 
Há restos de ternura pelo meio, 
como vultos perdidos na cidade 
onde uma tempestade sobreveio... 

Começas a vestir-te, lentamente, 
e é ternura também que vou vestindo, 
para enfrentar lá fora aquela gente 
que da nossa ternura anda sorrindo... 

Mas ninguém sonha a pressa com que nós 
a despimos assim que estamos sós! 

David Mourão-Ferreira

sexta-feira, 15 de julho de 2011


Quando penso em você me sinto flutuar,
me sinto alcançar as nuvens,
tocar as estrelas, morar no céu...

Tento apenas superar
a imensa saudade que me arrasa o coração,
mas, que vem junto com as doces lembranças do teu ser. 

Lembrando dos momentos
em que juntos nosso amor se conjugava
em uma só pessoa, nós ...


É através desse tal sentimento, a saudade,
que sobrevivo quando estou longe de você.
Ela é o alimento do amor que encontra-se distante...


A delicadeza de tuas palavras
contrasta com a imensidão do teu sentimento.
Meu ciúme se abranda com tuas juras
e promessas de amor eterno.


A longa distância apenas serve para unir o nosso amor.
A saudade serve para me dar
a absoluta certeza de que ficaremos para sempre unidos...


E nesse momento de saudade,
quando penso em você,
quando tudo está machucando o meu coração
e acho que não tenho mais forças para continuar;
eis que surge tua doce presença,
com o esplendor de um anjo;
e me envolvendo como uma suave brisa aconchegante...
Tudo isso acontece porque amo e penso em você...

William Shakespeare

segunda-feira, 11 de julho de 2011


El beso

Se iluminó la estancia de una venusta gracia
cuando acerqué a tu boca la mía temblorosa,
mientras por tierra y cielo relampagueó mi audacia
cortándole a la vida su más intacta rosa.

¿Qué jugo, di, qué jugo el corazón invoca
tiene como tus labios tan íntimos dulzores?
Mujer, dime: ¿Qué abejas buscaron en qué flores
las mieles trasegadas al panal de tu boca?

¡Oh, beso! con la gloria de tu emoción celeste
-comunión de alma y boca, brasa y diafanidad-
abriste en el más puro de los espasmos: Este,
a nuestro barro efímero rutas de eternidad.

Tu labio, jardín donde la fiebre es jardinera;
botón de calentura mi labio nunca ahíto,
fundiéronse en las llagas de la inmortal hoguera
para beberse juntos de un beso el infinito.

FLAVIO HERRERA

domingo, 10 de julho de 2011



TU RISA

Quítame el pan, si quieres, 
quítame el aire, pero 
no me quites tu risa.

No me quites la rosa, 
la lanza que desgranas, 
el agua que de pronto 
estalla en tu alegría, 
la repentina ola 
de plata que te nace.

Mi lucha es dura y vuelvo 
con los ojos cansados 
a veces de haber visto 
la tierra que no cambia, 
pero al entrar tu risa 
sube al cielo buscándome 
y abre para mi todas 
las puertas de la vida.

Amor mío, en la hora 
más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto 
ves que mi sangre mancha 
las piedras de la calle, 
ríe, porque tu risa 
será para mis manos 
como una espada fresca.

Junto al mar en otoño, 
tu risa debe alzar 
su cascada de espuma, 
y en primavera, amor, 
quiero tu risa como 
la flor que yo esperaba, 
la flor azul, la rosa 
de mi patria sonora.

Ríete de la noche, 
del día, de la luna, 
ríete de las calles 
torcidas de la isla, 
ríete de este torpe 
muchacho que te quiere, 
pero cuando yo abro 
los ojos y los cierro, 
cuando mis pasos van, 
cuando vuelven mis pasos, 
niégame el pan, el aire, 
la luz, la primavera, 
pero tu risa nunca 
porque me moriría.

Pablo Neruda

quinta-feira, 7 de julho de 2011


SONETO CV

Não chame o meu amor de Idolatria 
Nem de Ídolo realce a quem eu amo, 
Pois todo o meu cantar a um só se alia,
E de uma só maneira eu o proclamo. 
É hoje e sempre o meu amor galante, 
Inalterável, em grande excelência; 
Por isso a minha rima é tão constante
A uma só coisa e exclui a diferença. 
'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo; 
'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento; 
E em tal mudança está tudo o que primo, 
Em um, três temas, de amplo movimento. 
'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora; 
Num mesmo ser vivem juntos agora.

William Shakespeare

segunda-feira, 4 de julho de 2011


O Amor

O amor, quando se revela, 
Não se sabe revelar. 
Sabe bem olhar pra ela, 
Mas não lhe sabe falar. 

Quem quer dizer o que sente 
Não sabe o que há de dizer. 
Fala: parece que mente 
Cala: parece esquecer 

Ah, mas se ela adivinhasse, 
Se pudesse ouvir o olhar, 
E se um olhar lhe bastasse 
Pr'a saber que a estão a amar! 

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente 
Fica sem alma nem fala, 
Fica só, inteiramente! 

Mas se isto puder contar-lhe 
O que não lhe ouso contar, 
Já não terei que falar-lhe 
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

Um Poema de Amor

Não sei onde estás, 
se falas ou se apenas olhas o horizonte,
que pode ser apenas 
o de uma parede de quarto. 
Mas sei que uma sombra 
se demora contigo, 
quando me pergunto onde estás: 
uma inquietação que atravessa 
o espaço entre mim e ti, 
e te rouba as certezas de hoje, 
como a mim me dá este poema. 

Nuno Júdice

quinta-feira, 30 de junho de 2011


Amar é Pensar

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela, 
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela. 
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala, 
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança. 
Amar é pensar. 
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. 
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela. 
Tenho uma grande distração animada. 
Quando desejo encontrá-la 
Quase que prefiro não a encontrar, 
Para não ter que a deixar depois. 
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. 
Quero só Pensar nela. 
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar. 

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

segunda-feira, 27 de junho de 2011


Ideal

Aquela, que eu adoro, não é feita 
De lírios nem de rosas purpurinas, 
Não tem as formas languidas, divinas 
Da antiga Vénus de cintura estreita... 

Não é a Circe, cuja mão suspeita 
Compõe filtros mortaes entre ruinas, 
Nem a Amazona, que se agarra ás crinas 
D'um corcel e combate satisfeita... 

A mim mesmo pergunto, e não atino 
Com o nome que dê a essa visão, 
Que ora amostra ora esconde o meu destino... 

É como uma miragem, que entrevejo, 
Ideal, que nasceu na solidão, 
Nuvem, sonho impalpável do Desejo... 

Antero de Quental

sexta-feira, 24 de junho de 2011


Devo-te

Devo-te tanto como um pássaro 
deve o seu voo à lavada 
planície do céu. 

Devo-te a forma 
novíssima de olhar 
teu corpo onde às vezes 
desce o pudor o silêncio 
de uma pálpebra mais nada. 

Devo-te o ritmo 
de peixe na palavra, 
a genesíaca, doce 
violência dos sentidos; 
esta tinta de sol 
sobre o papel de silêncio 
das coisas - estes versos 
doces, curtos, de abelhas 
transportando o pólen 
levíssimo do dia; 
estas formigas na sombra 
da própria pressa e entrando 
todas em fila no tempo: 
com uma pergunta frágil 
nas antenas, um recado invisível, o peso 
que as deixa ser e esquece; 
e a tua voz que compunha 
uma casa, uma rosa 
a toda a volta - ó meu amor vieste 
rasgar um sol das minhas mãos! 

Vítor Matos e Sá

quinta-feira, 23 de junho de 2011


Soneto LII

Cantas y a sol y a cielo con tu canto
tu voz desgrana el cereal del día,
hablan los pinos con su lengua verde:
trinan todas las aves del invierno.
El mar llena sus sótanos de pasos,
de campanas, cadenas y gemidos,
tintinean metales y utensilios,
suenan las ruedas de la caravana.
Pero sólo tu voz escucho y sube
tu voz con vuelo y precisión de flecha,
baja tu voz con gravedad de lluvia,
tu voz esparce altísimas espadas,
vuelve tu voz cargada de violetas
y luego me acompaña por el cielo.

Pablo Neruda

quarta-feira, 22 de junho de 2011


A ti

Al calor de tu forma progresa mi sangre, 
en el aire 
de sueño
el clima para lo solo eres tú
-una sombra canta para ti en el fondo del agua 
al 
compás de mi corazón
y en tu mirar mis ojos están silenciosos 
por la música 
al soplo de la luz,
en el cielo y en la oscuridad.

Esta noche reuno tu forma,
el eco de tu boca en medio de una olvidada canción
-y te doy un abrazo.

Jaime Saenz